05 novembro 2014

Passaporte de um Bombeiro: Rui Ferreira

NOME: Rui Pedro de Almeida Ferreira
IDADE: 31
EMIGROU PARA: Leipzig, Alemanha
HÁ QUANTOS ANOS: 2 anos
BOMBEIRO EM: Avintes, Vila Nova de Gaia
POSTO: Bombeiro de 2ª
CUMPRIU QUANTOS ANOS DE SERVIÇO:
8 anos


Esta semana fomos até à Alemanha.
Fomos falar com o Camarada Rui Pedro, mais um Bombeiro emigrado que hoje vos damos a conhecer mais um pouco...

DB - Bom dia, antes de mais, deixe-me agradecer-lhe por ter aceitado o nosso convite e colaborar connosco. Queira fazer o favor de se apresentar:


Rui Ferreira - Olá, meu nome é Rui Pedro Ferreira, tenho 31 anos e sou natural da cidade do Porto.

DB - Pertence a que Corpo de Bombeiros?

RF - Fui Bombeiro Voluntario na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Avintes, Vila Nova de Gaia.

DB – Quantos anos tem de serviço?

RF - Durante 8 anos, servi como voluntario os Bombeiros Voluntários de Avintes e a população das freguesias a qual o corpo de bombeiros estava adjacente.

DB - Como ficou a sua situação no quadro do seu CB?

RF - Quando emigrei eu passei ao quadro de Reserva.

DB – Todos nós sabemos que, mesmo fora do nosso País, a adrenalina ainda corre nas veias quando se ouvem sirenes, não é? Sente saudades?

RF - Claro que sim. Acho que todos os que vivemos o prazer e a vontade de servir o próximo, no momento que a sirene tocava, sentemos saudades de poder saltar para dentro de uma viatura e poder salvar uma vida ou apagar um incendio. No meu caso, essa saudade é minimizada porque juntamente com a minha companheira, inscrevemo-nos nos bombeiros voluntários da nossa área de residência (Leipzig Süd, na Alemanha)

DB – Como todos sabemos, felizmente para os que estão fora, a Legislação em vigor permite que possam ser Bombeiros noutro País, mantendo-se na mesma no Quadro de Reserva do seu Corpo de Bombeiros em Portugal. É Bombeiro no País onde se encontra?

RF - Sim… neste momento estou inscrito nos bombeiros voluntários de Lepzig Süd, Alemanha. Felizmente a nossa Legislação dá-nos esta possibilidade, embora, se não me engano, podemos estar no quadro de reserva por 5 anos (seguidos ou intercalados), passando de seguida para a Inatividade.

DB – E qual é a sensação? Que é diferente todos sabemos, mas o quão diferente é?

RF - Sim, todos sabemos que existem muitas diferenças entre países, na sua forma de atuar e mesmo na sua forma de servir a população.
Eu orgulho-me de ter aprendido a ser bombeiro no País do Mundo onde existe a maior numero de Homens e Mulheres que são Bombeiros/as Voluntários/as, bem formados e prontos para servir a população em qualquer situação.
Aqui na Alemanha, e mais propriamente, em Leipzig uma grande diferença trata-se no tipo de serviço que executamos: não fazemos pré-hospitalar nem urgências. A nível de Socorro existem entidades para o fazer (exemplo da Cruz Vermelha). Apenas saímos para serviços de incendio, acidentes / desencarceramento, inundações, etc.
Outra grande, mas a mais importante diferença, trata-se do EPI. Felizmente, tudo que se trata de equipamento individual de proteção, é nos fornecido, desde o dia em que entramos nos bombeiros. Penso que a nível de segurança do bombeiro, é a diferença mais significativa que encontro.
Em contra partida, não existem piquetes noturnos, só vamos para o quartel quando existe alguma ocorrência, na qual somos alertados por BIP. Não existe ninguém no quartel durante o dia, temos formação/instrução todas as quintas-feiras das 18h as 20:30.
Resumidamente, as diferenças ainda são algumas, que nos deixam saudades no coração, do voluntariado que vivemos no nosso País.

DB - O que o levou a sair do País?

RF - Resumidamente, sai do nosso País por amor.
Todos sabemos as dificuldades de trabalho que existem no nosso Portugal, e o quanto é difícil para um novo casal, começar uma vida juntos. No meu caso, a minha companheira já estava trabalhando na Alemanha e sabendo da grande dificuldade que iria encontrar em encontrar um trabalho em Portugal (devido a vários fatores, entre os quais a escolaridade), achei que seria mais fácil encontrar eu um trabalho na Alemanha e iniciarmos a vida a dois, por terras da Senhora Chanceler Merkel!

DB – Era assalariado no seu Corpo de Bombeiros?


RF - Não, não era Assalariado no meu Corpo de Bombeiros.
Durante 10 anos eu trabalhei nas urgências do Hospital de Vila Nova de Gaia/Espinho como Técnico Administrativo.

DB – Imaginamos que não tenho sido uma decisão nada fácil, mas… assim vai o nosso País. O que recorda do seu último dia de serviço?

RF - Não são decisões fáceis de se tomar, quando temos amor pela causa e pelo que fazemos. Quando amamos o que fazemos e sabemos que dentro de nós, arde a chama de poder ajudar o próximo, mas mais importante que ser voluntario, é construirmos a nossa vida e o nosso Futuro, e foi a decisão que tomei no momento que decidi imigrar para a Alemanha.
A partir do momento em que tomamos uma decisão deste nível, acho que passamos a viver cada serviço como sendo o ultimo e a nostalgia vai se apoderando de nós. Queremos guardar cada momento vivido com os camaradas e em cada serviço, dar o melhor de nós, pois sabemos sempre que estamos a fazer o melhor para que alguém, que felizmente ou infelizmente, passa pelas nossas mãos, possa regressar ao seu dia-a-dia da melhor forma.
O meu último dia de serviço foi calmo, e deu para receber algumas palavras de conforto e de encorajamento por parte de alguns camaradas. Penso que o mais difícil foi mesmo pousar o saco em casa e guardar a farda no armário.

DB – Qual foi a sensação, no dia em que fez a carta ou informou o seu Comandante?

RF - Foi uma sensação estranha no dia que informei o meu Comandante da decisão que iria tomar, devido ao facto de ter algumas responsabilidades inerentes como chefe de equipa e também por estar colaborando na formação de uma nova escola de recrutas/estagiários, mas tive uma conversa muito agradável com o meu comandante, que me deu todo o apoio que necessitava.
Para além de ser o meu superior, deu-me seus concelhos pessoais, de pessoa responsável e experiente que era. Guardo muitas palavras que Senhor meu Ex. Comandante José Araújo me disse.

DB – Acompanha com frequência as noticia sobre os Bombeiros?

RF - Normalmente, estou sempre atualizado com as notícias em que envolvam os bombeiros e principalmente os bombeiros do distrito do Porto.

DB – De tantos e tantos anos em que se registaram Bombeiros falecidos no combate às chamas, o ano passado irá ficar para sempre marcado na memória dos portugueses, e principalmente dos Bombeiros.
O que acha que fez com que as situações ocorridas o ano passado marcassem tanto, fossem sentidas e vividas de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão triste?


RF - Infelizmente foram momentos bastante dolorosos, não só para quem os viveu diretamente no local, nas corporações e no seio familiar, mas também para todos os cidadãos Portugueses, e particularmente, a quem sente na pele as dificuldades que os bombeiros enfrentam no terreno.
Todos sabemos a situação que existe em Portugal, a falta de responsabilidade por parte das autoridades (juntas, câmaras, etc.) em prevenir antes de ocorrer.
As já muito faladas limpezas que não são feitas, os estradões inexistentes para melhoramento de acessos e de linhas de contenção que nunca saem do papel, pelos gastos inerentes que podem ter. Todos estes fatores são conhecidos, mas no final, o bombeiro é que tem de enfrentar o pior, as chamas e a devastação, que infelizmente, tenta defender como da sua própria vida se tratasse.
Acredito que as situações trágicas ocorridas no ano passado, marcaram tanto as pessoas e os bombeiros, devido aos factos de se trataram, em muitos casos, de jovens, mas também por terem ocorrido em muitos casos, de falhas operacionais (no meu ver) que nunca deveriam ter sucedido.

DB – Muito se falou e especulou sobre as causas de tal desgraça. Falou-se sobre muito, desde os Equipamentos de Protecção Individual, às comunicações SIRESP, falta de segurança, incumprimento de ordens, relatórios, etc.
Com base na sua experiência nos seus anos como Bombeiro no activo, tem alguma opinião formada, ideia em relação ao sucedido o ano passado?


RF - Não sou nenhum técnico, talvez até possa ser um leigo na minha opinião, mas muitas das tragedias poderiam não ter sucedido, se houvesse maior conhecimento do terreno e da forma de comando de vários comandantes operacionais.
O Bombeiro ou o Chefe de uma viatura cumpre ordens superiores, mesmo quando não conhece o Teatro de Operações, no qual esta a trabalhar. Parte do comando em identificar o terreno e em enviar para certos locais as equipas com alguém conhecedor, minimamente, do mesmo terreno. Penso que em colocar 5 ou 6 viaturas de bombeiros do Sul, num terreno desconhecido do Centro ou do Norte, não é uma forma correta de operacionalidade, independentemente da formação que cada um possa ter ou não.
“Efeito Chaminé”, “mudança de ventos”, “falta de sinal SIRESP”, todos sabemos que existe, mas houve muitas tragedias que serão sempre lembradas pela sociedade Portuguesa, que deveria ter sido prevenidas e que infelizmente, nunca iram ser julgados os responsáveis.
E claro, o bem mais precioso que todos os bombeiros tem é a sua proteção, tanto a nível de equipamento pessoal como em viaturas. E é o bem mais precioso que os órgãos governamentais Portugueses não apostam a não ser depois dos factos trágicos acontecerem. Mas mesmo depois de todos as tragedias, os EPI’s não aparecem, as viaturas com mais de 30 e 40 anos tem que continuar a combater as casas e a defender as populações e as verbas doadas e canalizadas para esses mesmos acontecimentos, nunca aparecem. Assim continua a política e a forma como o nosso País ajuda quem melhor defende cada lar ou terreno, em troca de nenhum cêntimo.

DB - Em quanto tempo, se for esse o caso, espera regressar a Portugal e voltar assim a defender a causa que durante tantos anos defendeu?

RF - Infelizmente é uma resposta que de momento não sei dar. A data de hoje, e da forma que o nosso País esta se encaminhando, penso que a minha vida, continuará a ser construída deste lado da Europa. Mas nunca deixando de parte a possibilidade de um dia, quem sabe, poder regressar ao nosso Portugal e ajudar todos os meus camaradas a fazer o melhor que sabemos (ser voluntários em troca de nada).

DB - Tem ideia de quantos Bombeiros e Bombeiras perdeu a sua Corporação nos últimos anos devido à emigração?

RF - Felizmente, no meu corpo de bombeiros, não tem havido o problema da emigração, e segundo os últimos números, temos aumentado o número de voluntariados. Penso que se deve a estarmos localizados perto de uma grande metrópole mas também pelo facto de haver alguma maior disponibilidade por parte das pessoas em serem uteis e ajudarem o próximo, e também pelo lado negativo das tragédias ocorridas no último ano, levou a inscrição de mais pessoas que sentem capazes de poder ser úteis a comunidade e a população!

DB – E a nível Nacional?

RF - Não tenho grande ideia dos números a nível nacional, mas como anteriormente falei, os números de voluntariado em vários locais, aumentou, e agradavelmente isso é um sinal positivo. Negativo é saber que em outras tantas corporações, fora das grandes metrópoles, o número diminui drasticamente, levando mesmo algumas corporações a fazer grandes esforços para defenderem as suas áreas de intervenção.

DB – Pois, infelizmente nós também não lhe sabemos dar uma resposta concreta. Sabemos que é um numero que tende a crescer de dia para dia, sabemos que existem Corporações de Bombeiros que perderam mais de metade dos seus elementos, mas… a cada dia que passa, em Portugal, a percentagem de emigração aumenta, e muito, e dentro desse “muito” fazem parte muitos Bombeiros.
Que mensagem tem a deixar a todos os seus Camaradas?


RF - As palavras que deixo a todos os camaradas são simples.
Orgulhem-se sempre do que fazem pela sociedade pois nos dias de hoje, é um bem precioso, podermos ser úteis para com as pessoas, em troca de nada.
Orgulhem-se sempre de serem Bombeiros Voluntários Portugueses, da formação que tem e que dia após dias, tendem em reciclar, para poderem sempre dar o melhor de vós.
Embora esteja na Alemanha, orgulho-me de ter crescido como bombeiro Português, e de toda a formação que adquiri.
Podemos não ter o melhor equipamento de segurança para enfrentar os mais diversos obstáculos, porem, no meu ponto de vista, e embora não conhecendo todas as corporações voluntarias da Europa, considero os Bombeiro Voluntários de Portugal, como os melhores da Europa.
Nunca deixem esta chama apagar!

Muito Obrigado por ter respondido a estas perguntas, e pela sua colaboração. De certo que as mensagens de apoio dos nossos leitores irão começar a aparecer, demonstrado assim o Agradecimento pelos anos que em Portugal serviu a causa em prol e bem da Humanidade – Bombeiro.

Foi um prazer enorme tê-lo conhecido e termos tido a oportunidade de partilhar com todos estas pequenas letras.

Um Bem-Hajam

28 outubro 2014

Passaporte de um Bombeiro - António Francisco


NOME: António Miguel de Jesus Francisco
IDADE: 40 Anos
EMIGROU PARA: Suiça
HÁ QUANTOS ANOS: 3 Anos
BOMBEIRO EM: Bombeiros Voluntários de Cantanhede
POSTO: Sub-Chefe
CUMPRIU QUANTOS ANOS DE SERVIÇO: 24 anos


Esta semana foi tempo de voarmos até à Suiça para falarmos com o nosso outro Administrador António Francisco.
Como sabem cada vez mais no nosso País, o número de Bombeiros a serem obrigados a abandonar a sua terra, a sua Corporação, tem aumentado, já somos 5000 Bombeiros Emigrados.
Na sua grande maioria foram em busca de uma melhor qualidade de vida para si e para os seus. Existem Corporações de Bombeiros que viram partir dos seus quadros, dezenas de Bombeiros.

E é com esses Bombeiros que nós andamos a tentar falar.

São esses Bombeiros que, um a um, uma vez por semana, vos damos aqui a conhecer!
Saber quem são, e para onde foram… e que mensagem têm para nos deixar.

DB - Bom dia, antes de mais, deixe-me agradecer-lhe por ter aceitado o nosso convite e colaborar connosco. Queira fazer o favor de se apresentar:

António Francisco - O agradecimento será meu. O meu nome é António Miguel de Jesus Francisco, tenho 40 anos e sou natural de Cantanhede. Formador da ENB na área de T.S desde o Ano de 1998 até 2012, ano em que solicitei suspensão de atividade. Sou também TAS/ INEM desde o ano 1993 até Junho de 2014.

DB - Pertence a que Corpo de Bombeiros?

AF - Pertenço aos Bombeiros Voluntários de Cantanhede

DB – Quantos anos tem de serviço?

AF - Tenho 24 Anos de serviço efetivo.

DB - Como ficou a sua situação no quadro do seu CB?

AF - Após uma solicitação de licença sem vencimento, que não me foi cedida, solicitei a passagem ao quadro de reserva e despedi-me.

DB – Todos nós sabemos que, mesmo fora do nosso País, a adrenalina ainda corre nas veias quando se ouvem sirenes, não é? Sente saudades?

AF - Sim, sem dúvidas. Sinto saudade da adrenalina sentida nas deslocações ao quartel quando os toques de sirene, assim como, quando regresso a Portugal em período de férias, sinto saudade dos tempos passados com os companheiros, as saídas com a ambulância INEM, os incêndios, tudo o que me preenchia e que agora está bloqueado.

DB – Como todos sabemos, felizmente para os que estão fora, a Legislação em vigor permite que possam ser Bombeiros noutro País, mantendo-se na mesma no Quadro de Reserva do seu Corpo de Bombeiros em Portugal. É Bombeiro no País onde se encontra?

AF - Sim desde o Ano de 2012, no mesmo em que cheguei, ingressei no SDIS onde fiz toda a formação de base exigida para sapador bombeiro. Formação muito semelhante à existente na formação inicial em Portugal, seguindo-se outras especificas; portador de aparelho respiratório por exemplo; e alguns exames médicos á mistura. Neste momento foi-me lançado o desafio de cooperação na formação e instrução interna do SDIS, ao qual respondi prontamente e afirmativo, motivado pela experiência obtida em Portugal. Este SDIS tem como missões: salvamentos entre os quais aquáticos, desencarceramento, poluições entre outras pois é um SDIS principal da Broye Voudoise, não sendo reconhecido aos destacamentos de apoio limítrofes tais missões.

Nesse mesmo Ano de 2012 ingressei também nos quadros da Policia Comunal em Avenches, no destacamento de viação e trânsito, onde tenho por missão o controlo de trânsito e parqueamento de viaturas; entre outras, nas alturas festivas e eventos, tendo frequentado a formação de POLROUTE com a polícia de Neuchatêl, formação esta também necessária para o SDIS.

António Francisco, preparando-se para um turno de serviço na Policia Comunal

Ingressei no Corpo de Bombeiros interno da Fábrica onde trabalho também, dado ser permitido fazer parte de vários SDIS privados ou não. Integro também a equipa de socorristas, onde fiz a formação de Samaritain, aguardando ao momento o reconhecimento das minhas formações e competências na área da saúde por parte da cruz vermelha Suíça, desafio lançado pela formadora no final da ação de formação.


DB – E qual é a sensação? Que é diferente todos sabemos, mas o quão diferente é?

AF - É uma sensação nova, diferente da que estava habituado. O acolhimento por parte dos Sapadores Bombeiros do SDIS foi muito positiva. Vão lançando desafios de técnicas, táticas, teorias, e vão colocando as diferenças existentes de uma clareza muito eficaz num sentido de entreajuda e troca de conhecimentos entre nós. Sempre prontos a ajudar se alguma dificuldade existe tanto particular como ao nível operacional.


DB - O que o levou a sair do País?

AF - A situação que o país começou a atravessar foi fulcral para a decisão, entretanto alguns desencontros no seio profissional e voluntário ditaram a decisão; mas aguardarei a hora certa e o momento exato para os explanar.

DB – Era assalariado no seu Corpo de Bombeiros?

AF - Sim desde o dia 01 de Maio de 1993, até Janeiro de 2012 onde desempenhei função de TAS tendo nos últimos tempos efetuando também serviço de consultas / transportes de doentes.

DB – Imaginamos que não tenho sido uma decisão nada fácil, mas… assim vai o nosso País. O que recorda do seu último dia de serviço?

AF - Não foi muito fácil, mas infelizmente também não muito difícil. Como disse a pouco, alguns desencontros tornaram mais ameno a partida; mas relembro alguma sensação de tristeza e vazio quando peguei no meu capacete e sai a porta principal do quartel, deixando para trás uma vida de momentos bons e menos bons ao serviço da Humanidade e da população do concelho de Cantanhede. 
Como referi, 24 Anos, não meses, não fazia férias de bombeiro, algumas vezes de férias continuava a ser bombeiro.

DB – Qual foi a sensação, no dia em que fez a carta ou informou o seu Comandante?

AF - A sensação de que forçosamente era inevitável esta atitude, e após obter pelo Sr. 2.º Comandante a resposta afirmativa de que o Sr. Comandante assinaria a passagem ao quadro de reserva, mas para isso teria que entregar o cacifo e o meu EPI, senti-me aliviado.

DB – Acompanha com frequência as noticias sobre os Bombeiros?

AF - Todos os dias e várias vezes ao dia, consulto os pontos principais de informação pela internet, bem como muitos companheiros me vão fazendo chegar as noticias dos acontecimentos, quer por mensagem ou e-mail, e claramente através do DB (Diário de um Bombeiro).

DB – De tantos e tantos anos em que se registaram Bombeiros falecidos no combate às chamas, o ano passado irá ficar para sempre marcado na memória dos portugueses, e principalmente dos Bombeiros.
O que acha que fez com que as situações ocorridas o ano passado marcassem tanto, fossem sentidas e vividas de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão triste?

AF - A procura na obtenção de uma resposta para tais acontecimentos é muita. Cabe as Autoridades competentes “encontrar” uma contestação plausível e solucionar as ações de combate nos anos vindouros.
Cabe às autoridades competentes equacionar as implementações legislativas relacionadas com os incêndios florestais.
 
DB – Muito se falou e especulou sobre as causas de tal desgraça. Falou-se sobre muito, desde os Equipamentos de Protecção Individual, às comunicações SIRESP, falta de segurança, incumprimento de ordens, relatórios, etc.
Com base na sua experiência nos seus anos como Bombeiro no activo, tem alguma opinião formada, ideia em relação ao sucedido o ano passado?

AF - Não poderei formar uma opinião pois não estive presente nos T.Os e não vivi de perto tais situações, não porque não o quisesse, mas porque após algumas solicitações de passagem a atividade enquanto me encontrava de férias, por dois anos consecutivos, senti alguma dificuldade em obtê-las.
Com base em alguns anos passados no ativo, leva-me a equacionar o porquê de a maioria serem jovens; incumprimento de ordens, má gestão de ação de combate?
Suscita-me uma questão; 
- quantas equipas de ECIN, tinham nas suas fileiras bombeiros com a formação e promoção terminada pouco antes da época considerada de incêndios? 
- Quantas formações e promoções totais foram efetuadas e terminadas antes da fase alfa?
Colocaria outra questão; 
- conseguiríamos segurar no País equipas de ECIN, ELAC se para isso os bombeiros tivessem que possuir um ano de bombeiro de terceira concluído á data de promoção?
Faria assim, um ano de formação inicial, e mais um ano de “estágio” como bombeiro de terceira para poder integrar qualquer equipa do dispositivo de combate florestal. 
O mesmo procedimento para as promoções de chefias. Não pretendo dizer com isto que o problema reside por ai, mas seria uma mais valia na experiência de cada elemento. 
Claramente que para isso teria que a Autoridade promover inspeções periódicas aos CB`s, aleatoriamente, e sem avisos prévios, para que se não pudessem “trocar” elementos para a revista. 
No que respeita a comunicações SIRESP muito se poderia explanar com base em experiências relatadas e em consultas que eu mesmo efetuei, dado não ter sido utilizador deste meio de comunicação não farei apreciações, mas penso que existe muito rádio nos T.O`s, muitos elementos de chefias que no cumprimento do dever poderão “atropelar” a ordem principal, como se acompanha através dos meios de comunicação televisivos; o A solicita ao B para que este solicite ao C para que o D envie o meio aéreo…
Pelo caminho a mensagem não é percetível, perdemos tempo, e por fim, perdemos a descarga do meio aéreo.
- O descanso e alimentação dos elementos são feitos atempadamente?
- Em qualquer viatura presente necessitamos de combustível senão esta torna-se inoperacional; os elementos sem descanso e alimentação, mantêm-se operacionais?
De que vale um fato lindo com risquinhas mais ou menos ignífugo, se quando formos apanhados pelo “bicho” vai consumir-se e arder na mesma?
O que importa é não ser apanhado por ele!
No tempo do célebre fato-macaco, quantas mortes existiram, eram mais violentos os incêndios que agora ou menos, existia mais ou menos segurança no combate, questões, e muitas mais questões poderemos idealizar e suscitar outras tantas dúvidas num curto espaço de tempo.
Aquilo que me é sempre presente; situação, reação.
Se não conheço o local, fazer uma boa observação, delinear uma estratégia e saber qual o caminho de fuga, alimentação da minha equipa ou equipas que trabalhassem lado a lado, promover sempre o possível descanso, principalmente do motorista.

Uma das primeiras ocorrências de António Francisco como Sapador Bombeiro na Suiça
 

DB - Em quanto tempo, se for esse o caso, espera regressar a Portugal e voltar assim a defender a causa que durante tantos anos defendeu?

AF - Neste momento não tenho uma ideia definida de regresso, mas quem sabe um dia, em que outros tempos virão.

DB - Tem ideia de quantos Bombeiros e Bombeiras perdeu a sua Corporação nos últimos anos devido à emigração?

AF - Alguns, entre eles, eu. (risos)

DB – E a nível Nacional?

AF - A nível Nacional, muitos. Agora depende, se contabilizar-mos aqueles que emigraram e não fazem serviço; tem um número.

Se forem os que emigraram, mas no período de férias fazem um ou dois serviços, completam equipas de combate a incêndios no Verão, mas o resto do Ano se encontram fora do País, fará outro numero contabilizável. Estes bombeiros fazem bem em sacrificar algum tempo de suas férias ao serviço dos outros sendo uma atitude louvável, mas se pensarmos em tempos contabilizáveis; quando inicia o ciclo RNBP, quando termina. Estará correto perante os companheiros que todo a ano efetuam serviço verem contabilizado o mesmo tempo em anos de serviço que aqueles que não estando presentes?

Por exemplo, eu, sendo emigrante 14 anos, efetuando serviço um Mês ou dois por ano, estando o resto fora, terei 14 Anos de Bombeiro, ou apenas 14 meses?

Nos dias festivos, as condecorações de 15 Anos, de serviço efetivo? Ou será alternado! Porque não conheço condecorações de mensalidades. Claramente que isto é o que menos importa, mas na altura da verdade, faz a sua diferença.

DB – Pois, são algumas questões pertinentes que nos coloca e que poderemos tentar obter resposta. Sabemos que, segundo os últimos dados, são cerca de 5000 Bombeiros, e é um numero que tende a crescer de dia para dia, sabemos que existem Corporações de Bombeiros que perderam mais de metade dos seus elementos, mas… a cada dia que passa, em Portugal, a percentagem de emigração aumenta, e muito, e dentro desse “muito” fazem parte muitos Bombeiros.
Que mensagem tem a deixar a todos os seus Camaradas?

AF - Uma mensagem de carinho e apreço pelas suas ações humanitárias desempenhadas dia-a-dia. Continuem sempre amando a causa que nos move e o lema que nos norteia. Cuidem da vossa segurança, e cabe a todos e cada um de nós fazer a diferença.

Forte e grande abraço a todos.


Muito Obrigado por ter respondido a estas perguntas, e pela sua colaboração. De certo que as mensagens de apoio dos nossos leitores irão começar a aparecer, demonstrado assim o Agradecimento pelos anos que em Portugal serviu a causa em prol e bem da Humanidade – Bombeiro.

Foi um prazer enorme tê-lo conhecido e termos tido a oportunidade de partilhar com todos estas pequenas letras.

Um Bem-Hajam

22 outubro 2014

Passaporte de um Bombeiro - Marco Guerreiro

NOME: Marco Alexandre Neto Guerreiro
IDADE: 36
EMIGROU PARA: Angola
HÁ QUANTOS ANOS: 3 anos
BOMBEIRO EM: Bombeiros Voluntários de Albufeira
POSTO: 1ª classe
CUMPRIU QUANTOS ANOS DE SERVIÇO: 20 anos


Por motivos técnicos com o servidor, já resolvidos, na semana passada não nos foi possível apresentar um novo PASSAPORTE de um BOMBEIRO. Por esse motivo pedimos desculpa a todos, quantos de uma forma entusiástica têm acompanhado este nosso projecto.

Cada vez mais no nosso País, o número de Bombeiros a serem obrigados a abandonar a sua terra, a sua Corporação, tem aumentado.

Na sua grande maioria foram em busca de uma melhor qualidade de vida para si e para os seus.
Existem Corporações de Bombeiros que viram partir dos seus quadros, dezenas de Bombeiros.
E é com esses Bombeiros que nós andamos a tentar falar.

São esses Bombeiros que, um a um, uma vez por semana, vos iremos dar aqui a conhecer!

Saber quem são, e para onde foram… e que mensagem têm para nos deixar. 


DB - Bom dia, antes de mais, deixe-me agradecer-lhe por ter aceitado o nosso convite e colaborar connosco. Queira fazer o favor de se apresentar:

Marco Guerreiro - Bom dia, meu nome é Marco Guerreiro e desde já sempre um prazer mesmo á distância mantermos esta ligação de família Bombeiros, sempre unida.

DB - Pertence a que Corpo de Bombeiros?

MG - Bombeiros de Albufeira que sempre considerei minha segunda casa.

DB – Quantos anos tem de serviço?

MG - 20 anos de bombeiro, entrei ainda na flor da idade, ingressei no quadro activo com os 14 anos na altura cadete, sem duvida os melhores tempos de bombeiro.

DB - Como ficou a sua situação no quadro do seu CB?

MG - Neste momento encontro-me no quadro de reserva.

DB – Todos nós sabemos que, mesmo fora do nosso País, a adrenalina ainda corre nas veias quando se ouvem sirenes, não é? Sente saudades?

MG - Sinceramente algo inexplicável só mesmo a quem corre nas veias, e aqui no país onde me encontro, possuindo a bagagem que carreguei para aqui nesta matéria de bombeiros, faz-nos bastante confusão certos cenários que por vezes me deparo, não podendo contribuir com a nossa ajuda. (País muito complicado)

DB – Como todos sabemos, felizmente para os que estão fora, a Legislação em vigor permite que possam ser Bombeiros noutro País, mantendo-se na mesma no Quadro de Reserva do seu Corpo de Bombeiros em Portugal. É Bombeiro no País onde se encontra?

MG - Rsrs, Não, mas continuo ligado á área do pré-hospitalar, neste momento exerço a função de coordenador de dois programas muito interessantes dentro de uma empresa de assistência medica em Luanda, o primeiro coordeno todas as evacuações aeromédicas dentro do país ( Angola) e para o exterior, interessante nunca no nosso pais de origem teríamos apesar da formação excessiva de chegar a este status, contudo num pais onde a emergência é open mint permite esta nova experiência, o segundo programa da minha responsabilidade coordenador de medstaff, coloco e coordeno profissionais de saúde colocados em locais remotos espalhados por este território, tendo então aqui a presença de alguns bombeiros emigrantes alguns deles vindos da FEB.
Curiosamente tenho outro projeto em vista onde terei de recorrer novamente ao recrutamento de novos bombeiros.


DB - O que o levou a sair do País?

MG - Como a maioritariamente, na altura por razões financeiras, uma família nas mãos para lhes puder atribuir uma melhor perspectiva de vida, na altura em comunhão de bens, trabalhava-mos os dois, durante a época de Ecins sacrificava-se mais um pouco mas era insuficiente, pois tenho um regimento de 3 filhas. rsrsrsrs

DB – Era assalariado no seu Corpo de Bombeiros?

MG - Sim era assalariado.

DB – Imaginamos que não tenho sido uma decisão nada fácil, mas… assim vai o nosso País. O que recorda do seu último dia de serviço?

MG - No meu ultimo dia de serviço até já nem me recordo, mas sei que no mês antes recordo-me perfeitamente de ter integrado a Grif do Algarve para o combate ao incêndio de Tomar, e este foi o ultimo grande incêndio que colaborei.

DB – Qual foi a sensação, no dia em que fez a carta ou informou o seu Comandante?

MG - Determinado para a missão a seguir, mas no entanto um sentimento de perda, todos aqueles anos de união, espírito de equipa, espírito de ajuda, estava no fim. ( sensação estranha)

DB – Acompanha com frequência as noticias sobre os Bombeiros?

MG - Acompanho, todos os dias assim que possa dou uma olhadela pela pagina na ANPC, ocorrências activas.

DB – De tantos e tantos anos em que se registaram Bombeiros falecidos no combate às chamas, o ano passado irá ficar para sempre marcado na memória dos portugueses, e principalmente dos Bombeiros.
O que acha que fez com que as situações ocorridas o ano passado marcassem tanto, fossem sentidas e vividas de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão triste?

MG - Preferia nem comentar, senti-me inútil, ouve momentos que evitava ligar a TV, mas quando não a ligava deparava-me com mais uma triste noticia pelas redes sociais, quem pertence á família sente.

DB – Muito se falou e especulou sobre as causas de tal desgraça. Falou-se sobre muito, desde os Equipamentos de Protecção Individual, às comunicações SIRESP, falta de segurança, incumprimento de ordens, relatórios, etc.
Com base na sua experiência nos seus anos como Bombeiro no activo, tem alguma opinião formada, ideia em relação ao sucedido o ano passado?

MG - A culpa nunca morre solteira, EPI, a nós bombeiros não soa muito bem , pois qualquer tipo de EPI naquele flagelo penso que não ia minimizar as mortes, falta formação em alguns casos pontuais sim, nomeadamente colocação de equipas em vales encaixados, a primeira morte, não me entra na cabeça, VTTU em terreno plano incêndio deflagrava com alguma intensidade sim, combustível fino, a minha pergunta é só mesmo essa, considerando as condições do terreno plano, como ele fica lá…. Enfim ninguém é ninguém para julgar alguém, mas existe seguramente a necessidade de manutenção das competências.

DB - Em quanto tempo, se for esse o caso, espera regressar a Portugal e voltar assim a defender a causa que durante tantos anos defendeu?

MG - Neste momento não tenho essa previsão, se a médio prazo voltar-mos a falar pode ser que tenha algumas perspetivas.

DB - Tem ideia de quantos Bombeiros e Bombeiras perdeu a sua Corporação nos últimos anos devido à emigração?

MG - Só para Angola pelo menos 3, outros para Brazil, Inglaterra, já contamos pelo menos com 6 elementos

DB – E a nível Nacional?

MG - Não faço ideia.

DB – Pois, infelizmente nós também não lhe sabemos dar uma resposta concreta. Sabemos que é um numero que tende a crescer de dia para dia, sabemos que existem Corporações de Bombeiros que perderam mais de metade dos seus elementos, mas… a cada dia que passa, em Portugal, a percentagem de emigração aumenta, e muito, e dentro desse “muito” fazem parte muitos Bombeiros.
Que mensagem tem a deixar a todos os seus Camaradas?

MG - Determinação, e não tenham receio de abraçar um novo projecto dentro ou fora, importante é ficarmos sempre ligados á família bombeiros.


Muito Obrigado por ter respondido a estas perguntas, e pela sua colaboração. De certo que as mensagens de apoio dos nossos leitores irão começar a aparecer, demonstrado assim o Agradecimento pelos anos que em Portugal serviu a causa em prol e bem da Humanidade – Bombeiro.

Foi um prazer enorme tê-lo conhecido e termos tido a oportunidade de partilhar com todos estas pequenas letras.


Um Bem-Hajam

06 outubro 2014

Passaporte de um Bombeiro - Jorge Santos

NOME: Jorge Paulo Freire Santos
IDADE: 49 anos
EMIGROU PARA: Moçambique
HÁ QUANTOS ANOS: Cerca de 1 ano
BOMBEIRO EM: Bombeiros Voluntários de Soure - 4.ª Secção Granja-do-Ulmeiro
POSTO: Bombeiro de 2ª
CUMPRIU QUANTOS ANOS DE SERVIÇO: 20 Anos

Hoje damos continuidade ao nosso projecto!...
Projecto que se têm demonstrado um Sucesso tendo já, em três "Passaportes", 17186 visualizações e mais de 2000 LIKES e Partilhas.

Cada vez mais no nosso País, o número de Bombeiros a serem obrigados a abandonar a sua terra, a sua Corporação, tem aumentado.
Na sua grande maioria foram em busca de uma melhor qualidade de vida para si e para os seus.
Existem Corporações de Bombeiros que viram partir dos seus quadros, dezenas de Bombeiros.
E é com esses Bombeiros que nós andamos a tentar falar.

São esses Bombeiros que, um a um, uma vez por semana, vos estamos dar aqui a conhecer!

Saber quem são, e para onde foram… e que mensagem têm para nos deixar.


DB - Bom dia, antes de mais, deixe-me agradecer-lhe por ter aceitado o nosso convite e colaborar connosco. Queira fazer o favor de se apresentar:

Jorge Santos - Chamo-me Jorge Paulo Freire Santos, mas todos me conhecem por Paulo Santos. Tenho neste momento 49 anos, faço os 50 anos a dia 1 de Outubro. As pessoas consideram-me amigável, prestável, auxiliando sempre o outro sem olhar ao seu próprio umbigo, humilde, alegre e sempre bem-disposto. Acho que essas são as minhas principais características. Sempre fui um lutador e sempre trabalhei noutros países, como a Espanha e numa outra situação pontual, Irlanda. Mas sou um nacionalista, que acredita e defende o seu país. Com saudades das nossas terras e lugares que sempre marcaram a minha vida. Estou saudoso, triste por estar cada vez mais longe do país que tanto amo, com toda a sua história, tradição e cultura.

DB - Pertence a que Corpo de Bombeiros?

JS - Orgulhosamente, pertenço aos Bombeiros Voluntários de Soure, fazendo serviço na Quarta Secção Granja-do-Ulmeiro.

DB – Quantos anos tem de serviço?

JS - Somando o total de anos fazem o total de 20 anos completos, sendo que não são contínuos. Fiz serviço nos Bombeiros Voluntários de Soure entre 1983 a 1997 e reingressei no ano de 2008 até à data presente.

DB - Como ficou a sua situação no quadro do seu CB?

JS - Felizmente, continuo a pertencer ao quadro activo, com a maior honra.

DB – Todos nós sabemos que, mesmo fora do nosso País, a adrenalina ainda corre nas veias quando se ouvem sirenes, não é? Sente saudades?

JS - Corre muito nas veias, por terras moçambicanas chamam-me Doutor ‘Mucunha’ por ser sempre uma ajuda no que toca à área de saúde e ser branco. Aqui é muito diferente. Existem os chamados paramédicos, mais que bombeiros, mas de vez a vez encontram-se alguns e aí quando toca a sirene ou vejo uma velha ambulância de sirenes ligadas, o meu coração não consegue parar quieto. As saudades são imensas, do meu/nosso país, das nossas condições de vida, do meu quartel, das minhas ambulâncias e carros de fogo… Enfim, é uma saudade sem fim e a adrenalina ao ver uma ambulância é inesgotável, o que faz sempre pensar como estará a nossa corporação, que no fundo é sempre uma segunda casa que se tem.

DB – Como todos sabemos, felizmente para os que estão fora, a Legislação em vigor permite que possam ser Bombeiros noutro País, mantendo-se na mesma no Quadro de Reserva do seu Corpo de Bombeiros em Portugal. É Bombeiro no País onde se encontra?

JS - Não, porque não estou propriamente numa cidade ou lugar fixo, trabalho por Moçambique inteiro, não tendo um local de residência específico. Mantendo-me cerca de três meses por cá e indo duas semanas a Portugal, sendo que é nesse tempo que continuo a exercer serviço para os Bombeiros Voluntários de Soure.

Jorge Santos mais a sua filha Marta, aquando das promoções
deles ao posto imediato.
DB - O que o levou a sair do País?

JS - A minha empresa mudou de sítio, é uma empresa de caminhos-de-ferro e por isso procura trabalho onde o há. Mantem uma sede em Portugal, mas já á muito que estabelece parcerias no estrangeiro, antigamente em Espanha, mas uma vez que a crise veio a tornar o trabalho escasso, mesmo em terras espanholas, a empresa alargou os seus horizontes de forma a encontrar trabalho e não simplesmente fechar portas, tendo colegas também a trabalhar no Brasil, país em desenvolvimento que tem apostado na área ferroviária, ao contrário da Europa. Assim sendo, ou aceitaria a proposta ou não teria trabalho, com a minha idade seria difícil conseguir arranjar trabalho noutro local, fazendo o mesmo que é algo que eu sempre gostei de fazer. Por isso, aceitei a proposta de me mudar, não tive alternativa.

DB – Era assalariado no seu Corpo de Bombeiros?

JS - Não, o meu trabalho era e é, como referi em cima, o mesmo. Trabalho como condutor/manobrador de máquinas de caminho-de-ferro, trabalhando também com camiões, ferrocamiões e em cantenária (partes elétricas).

DB – Imaginamos que não tenho sido uma decisão nada fácil, mas… assim vai o nosso País. O que recorda do seu último dia de serviço?

JS - A despedida dos meus colegas, um «até já» é sempre doloroso. Eu que nem sou homem de chorar muito, não me contive… foi emocionante. Já quando chego me emociono, porque é um enorme contraste entre as minhas chegadas e partidas. Quando chego é difícil de explicar, por ser sublime, quando vou é difícil de explicar, por ser doloroso.

DB – Qual foi a sensação, no dia em que fez a carta ou informou o seu Comandante?

JS - A sensação foi dolorosa, o comandante, comando e corpo activo sempre puderam contar comigo, porque sempre me mantive ativo e disponível, dependendo do meu tempo livre, mas sempre que tenho tempo foi, é e continua a ser ajudar no que consigo, colocando mesmo a minha família em segundo lugar, como qualquer bombeiro. A sensação que tive, além de tristeza e de mágoa por ter de os informar que iria para fora do país, mas desta vez para muito mais longe e por muito mais tempo, foi a sensação de estar a falhar com todos os meus colegas, comando e direcção, pois sempre tive uma boa relação com todos.

DB – Acompanha com frequência as noticias sobre os Bombeiros?

JS - Sim, tendo sempre o meu número português activo recebendo mensagens gerais do meu CB, mas procurando na Internet sempre que ela me deixa (aqui é difícil conseguir abrir uma simples página, moçambique em muito é um país que precisa de desenvolvimento).

DB – De tantos e tantos anos em que se registaram Bombeiros falecidos no combate às chamas, o ano passado irá ficar para sempre marcado na memória dos portugueses, e principalmente dos Bombeiros.
O que acha que fez com que as situações ocorridas o ano passado marcassem tanto, fossem sentidas e vividas de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão triste?

JS - Todos vestimos a mesma farda, utopicamente todos com o mesmo brio, profissionalismo e vontade. Calhou ser este ano, calhou serem aqueles que faleceram em combate. É inacreditável, porque poderíamos ser nós, o nosso colega, os nossos familiares ou os nossos amigos. A sensação que fiquei foi que os bombeiros como um todo, a nível nacional, são unidos porque há sempre aquela questão de que todos fazemos o mesmo, com a mesma farda, trabalhando para o mesmo e por isso… todos somos iguais! Acredito que pelas mortes que temos a lamentar, tornou-se evidente a união, ligação e cumplicidade entre bombeiros, talvez pela sensação que podíamos ser nós ou os nossos colegas, até mesmo conhecidos, familiares ou amigos. Mexeu com todos a nível global, quer sejam bombeiros quer sejam familiares, quer nem tenham nada a ver com bombeiros de forma directa. Foi um necessário abanão para questionar determinadas coisas, para percebermos os riscos que este género de voluntariado implica, para questionarmo-nos se pomos a segurança realmente em primeiro lugar. Como no meu CB se costuma ouvir, temos como lema Vida por Vida, não Vida por Mato. E custa perceber que há dos nossos que morram a tentar defender e a proteger a vegetação, seja ela de que tipo for.

DB – Muito se falou e especulou sobre as causas de tal desgraça. Falou-se sobre muito, desde os Equipamentos de Protecção Individual, às comunicações SIRESP, falta de segurança, incumprimento de ordens, relatórios, etc.
Com base na sua experiência nos seus anos como Bombeiro no activo, tem alguma opinião formada, ideia em relação ao sucedido o ano passado?

JS - Certamente haverá pessoas com mais informação e conhecimento para falar disso que eu, mas tentando responder de melhor forma, acho que talvez a falta de EPI, as falhas inaceitáveis de SIRESP, a falta de segurança, o incumprimento de ordens e/ou o cumprimento excessivo de ordens, alguma inexperiência, alguma confiança a mais… acho que foi um pouco de tudo, juntando a isso a inacreditável força que o azar tem. Certamente não foi um só factor mas todos eles, e sem incêndios não haveriam pessoas para o combater, por isso, desde a ignição do próprio incêndio a todos esses factores que referi acima e certamente tantos outros que não me lembro agora de referir, tudo ajuda um bocadinho e grão a grão enche a galinha o papo e daí, pequeno factor em pequeno factor consegue surgir uma tragédia inexplicável.

DB - Em quanto tempo, se for esse o caso, espera regressar a Portugal e voltar assim a defender a causa que durante tantos anos defendeu?

JS - Defenderei e continuo a defender a causa que escolhi, não sabendo o que o futuro me reserva. Para já, em Moçambique serão 3 anos.

DB - Tem ideia de quantos Bombeiros e Bombeiras perdeu a sua Corporação nos últimos anos devido à emigração?

JS - Fazendo a conta por algo, 4/6 elementos provavelmente, sendo que sei se ficarão por aqui, mas felizmente não somos muitos a emigrar na minha corporação, ao contrário do que se vê noutros CB.

DB – E a nível Nacional?

JS - A nível nacional não sei, mas centenas e centenas de bombeiros, e mais uma vez acredito que não ficará por aqui. Depende também das zonas do país, de certo que haverá zonas mais afectadas que outras.

DB – Pois, infelizmente nós também não lhe sabemos dar uma resposta concreta. Sabemos que é um numero que tende a crescer de dia para dia, sabemos que existem Corporações de Bombeiros que perderam mais de metade dos seus elementos, mas… a cada dia que passa, em Portugal, a percentagem de emigração aumenta, e muito, e dentro desse “muito” fazem parte muitos Bombeiros.
Que mensagem tem a deixar a todos os seus Camaradas?

JS - Gostaria de lembrar que temos um país maravilhoso e que é nele que nos temos de focar. Aos que a emigração não chamam que assegurem o serviço e os seus turnos com o maior brio profissional, que se mantenham optimistas quanto a um futuro promissor.
Que honrem a sua farda e que a respeitem!
Aos que emigraram, que a vida lhes corra pelo melhor, procurando sempre não esquecer que, apesar de longe, corre no sangue o ‘bicho’ de ser bombeiro e por isso que não se esqueçam de olhar ao próximo e de o ajudar sempre que conseguirem.

Muito Obrigado por ter respondido a estas perguntas, e pela sua colaboração. De certo que as mensagens de apoio dos nossos leitores irão começar a aparecer, demonstrado assim o Agradecimento pelos anos que em Portugal serviu a causa em prol e bem da Humanidade – Bombeiro.
Foi um prazer enorme tê-lo conhecido e termos tido a oportunidade de partilhar com todos estas pequenas letras.

Um Bem-Haja