28 outubro 2014

Passaporte de um Bombeiro - António Francisco


NOME: António Miguel de Jesus Francisco
IDADE: 40 Anos
EMIGROU PARA: Suiça
HÁ QUANTOS ANOS: 3 Anos
BOMBEIRO EM: Bombeiros Voluntários de Cantanhede
POSTO: Sub-Chefe
CUMPRIU QUANTOS ANOS DE SERVIÇO: 24 anos


Esta semana foi tempo de voarmos até à Suiça para falarmos com o nosso outro Administrador António Francisco.
Como sabem cada vez mais no nosso País, o número de Bombeiros a serem obrigados a abandonar a sua terra, a sua Corporação, tem aumentado, já somos 5000 Bombeiros Emigrados.
Na sua grande maioria foram em busca de uma melhor qualidade de vida para si e para os seus. Existem Corporações de Bombeiros que viram partir dos seus quadros, dezenas de Bombeiros.

E é com esses Bombeiros que nós andamos a tentar falar.

São esses Bombeiros que, um a um, uma vez por semana, vos damos aqui a conhecer!
Saber quem são, e para onde foram… e que mensagem têm para nos deixar.

DB - Bom dia, antes de mais, deixe-me agradecer-lhe por ter aceitado o nosso convite e colaborar connosco. Queira fazer o favor de se apresentar:

António Francisco - O agradecimento será meu. O meu nome é António Miguel de Jesus Francisco, tenho 40 anos e sou natural de Cantanhede. Formador da ENB na área de T.S desde o Ano de 1998 até 2012, ano em que solicitei suspensão de atividade. Sou também TAS/ INEM desde o ano 1993 até Junho de 2014.

DB - Pertence a que Corpo de Bombeiros?

AF - Pertenço aos Bombeiros Voluntários de Cantanhede

DB – Quantos anos tem de serviço?

AF - Tenho 24 Anos de serviço efetivo.

DB - Como ficou a sua situação no quadro do seu CB?

AF - Após uma solicitação de licença sem vencimento, que não me foi cedida, solicitei a passagem ao quadro de reserva e despedi-me.

DB – Todos nós sabemos que, mesmo fora do nosso País, a adrenalina ainda corre nas veias quando se ouvem sirenes, não é? Sente saudades?

AF - Sim, sem dúvidas. Sinto saudade da adrenalina sentida nas deslocações ao quartel quando os toques de sirene, assim como, quando regresso a Portugal em período de férias, sinto saudade dos tempos passados com os companheiros, as saídas com a ambulância INEM, os incêndios, tudo o que me preenchia e que agora está bloqueado.

DB – Como todos sabemos, felizmente para os que estão fora, a Legislação em vigor permite que possam ser Bombeiros noutro País, mantendo-se na mesma no Quadro de Reserva do seu Corpo de Bombeiros em Portugal. É Bombeiro no País onde se encontra?

AF - Sim desde o Ano de 2012, no mesmo em que cheguei, ingressei no SDIS onde fiz toda a formação de base exigida para sapador bombeiro. Formação muito semelhante à existente na formação inicial em Portugal, seguindo-se outras especificas; portador de aparelho respiratório por exemplo; e alguns exames médicos á mistura. Neste momento foi-me lançado o desafio de cooperação na formação e instrução interna do SDIS, ao qual respondi prontamente e afirmativo, motivado pela experiência obtida em Portugal. Este SDIS tem como missões: salvamentos entre os quais aquáticos, desencarceramento, poluições entre outras pois é um SDIS principal da Broye Voudoise, não sendo reconhecido aos destacamentos de apoio limítrofes tais missões.

Nesse mesmo Ano de 2012 ingressei também nos quadros da Policia Comunal em Avenches, no destacamento de viação e trânsito, onde tenho por missão o controlo de trânsito e parqueamento de viaturas; entre outras, nas alturas festivas e eventos, tendo frequentado a formação de POLROUTE com a polícia de Neuchatêl, formação esta também necessária para o SDIS.

António Francisco, preparando-se para um turno de serviço na Policia Comunal

Ingressei no Corpo de Bombeiros interno da Fábrica onde trabalho também, dado ser permitido fazer parte de vários SDIS privados ou não. Integro também a equipa de socorristas, onde fiz a formação de Samaritain, aguardando ao momento o reconhecimento das minhas formações e competências na área da saúde por parte da cruz vermelha Suíça, desafio lançado pela formadora no final da ação de formação.


DB – E qual é a sensação? Que é diferente todos sabemos, mas o quão diferente é?

AF - É uma sensação nova, diferente da que estava habituado. O acolhimento por parte dos Sapadores Bombeiros do SDIS foi muito positiva. Vão lançando desafios de técnicas, táticas, teorias, e vão colocando as diferenças existentes de uma clareza muito eficaz num sentido de entreajuda e troca de conhecimentos entre nós. Sempre prontos a ajudar se alguma dificuldade existe tanto particular como ao nível operacional.


DB - O que o levou a sair do País?

AF - A situação que o país começou a atravessar foi fulcral para a decisão, entretanto alguns desencontros no seio profissional e voluntário ditaram a decisão; mas aguardarei a hora certa e o momento exato para os explanar.

DB – Era assalariado no seu Corpo de Bombeiros?

AF - Sim desde o dia 01 de Maio de 1993, até Janeiro de 2012 onde desempenhei função de TAS tendo nos últimos tempos efetuando também serviço de consultas / transportes de doentes.

DB – Imaginamos que não tenho sido uma decisão nada fácil, mas… assim vai o nosso País. O que recorda do seu último dia de serviço?

AF - Não foi muito fácil, mas infelizmente também não muito difícil. Como disse a pouco, alguns desencontros tornaram mais ameno a partida; mas relembro alguma sensação de tristeza e vazio quando peguei no meu capacete e sai a porta principal do quartel, deixando para trás uma vida de momentos bons e menos bons ao serviço da Humanidade e da população do concelho de Cantanhede. 
Como referi, 24 Anos, não meses, não fazia férias de bombeiro, algumas vezes de férias continuava a ser bombeiro.

DB – Qual foi a sensação, no dia em que fez a carta ou informou o seu Comandante?

AF - A sensação de que forçosamente era inevitável esta atitude, e após obter pelo Sr. 2.º Comandante a resposta afirmativa de que o Sr. Comandante assinaria a passagem ao quadro de reserva, mas para isso teria que entregar o cacifo e o meu EPI, senti-me aliviado.

DB – Acompanha com frequência as noticias sobre os Bombeiros?

AF - Todos os dias e várias vezes ao dia, consulto os pontos principais de informação pela internet, bem como muitos companheiros me vão fazendo chegar as noticias dos acontecimentos, quer por mensagem ou e-mail, e claramente através do DB (Diário de um Bombeiro).

DB – De tantos e tantos anos em que se registaram Bombeiros falecidos no combate às chamas, o ano passado irá ficar para sempre marcado na memória dos portugueses, e principalmente dos Bombeiros.
O que acha que fez com que as situações ocorridas o ano passado marcassem tanto, fossem sentidas e vividas de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão triste?

AF - A procura na obtenção de uma resposta para tais acontecimentos é muita. Cabe as Autoridades competentes “encontrar” uma contestação plausível e solucionar as ações de combate nos anos vindouros.
Cabe às autoridades competentes equacionar as implementações legislativas relacionadas com os incêndios florestais.
 
DB – Muito se falou e especulou sobre as causas de tal desgraça. Falou-se sobre muito, desde os Equipamentos de Protecção Individual, às comunicações SIRESP, falta de segurança, incumprimento de ordens, relatórios, etc.
Com base na sua experiência nos seus anos como Bombeiro no activo, tem alguma opinião formada, ideia em relação ao sucedido o ano passado?

AF - Não poderei formar uma opinião pois não estive presente nos T.Os e não vivi de perto tais situações, não porque não o quisesse, mas porque após algumas solicitações de passagem a atividade enquanto me encontrava de férias, por dois anos consecutivos, senti alguma dificuldade em obtê-las.
Com base em alguns anos passados no ativo, leva-me a equacionar o porquê de a maioria serem jovens; incumprimento de ordens, má gestão de ação de combate?
Suscita-me uma questão; 
- quantas equipas de ECIN, tinham nas suas fileiras bombeiros com a formação e promoção terminada pouco antes da época considerada de incêndios? 
- Quantas formações e promoções totais foram efetuadas e terminadas antes da fase alfa?
Colocaria outra questão; 
- conseguiríamos segurar no País equipas de ECIN, ELAC se para isso os bombeiros tivessem que possuir um ano de bombeiro de terceira concluído á data de promoção?
Faria assim, um ano de formação inicial, e mais um ano de “estágio” como bombeiro de terceira para poder integrar qualquer equipa do dispositivo de combate florestal. 
O mesmo procedimento para as promoções de chefias. Não pretendo dizer com isto que o problema reside por ai, mas seria uma mais valia na experiência de cada elemento. 
Claramente que para isso teria que a Autoridade promover inspeções periódicas aos CB`s, aleatoriamente, e sem avisos prévios, para que se não pudessem “trocar” elementos para a revista. 
No que respeita a comunicações SIRESP muito se poderia explanar com base em experiências relatadas e em consultas que eu mesmo efetuei, dado não ter sido utilizador deste meio de comunicação não farei apreciações, mas penso que existe muito rádio nos T.O`s, muitos elementos de chefias que no cumprimento do dever poderão “atropelar” a ordem principal, como se acompanha através dos meios de comunicação televisivos; o A solicita ao B para que este solicite ao C para que o D envie o meio aéreo…
Pelo caminho a mensagem não é percetível, perdemos tempo, e por fim, perdemos a descarga do meio aéreo.
- O descanso e alimentação dos elementos são feitos atempadamente?
- Em qualquer viatura presente necessitamos de combustível senão esta torna-se inoperacional; os elementos sem descanso e alimentação, mantêm-se operacionais?
De que vale um fato lindo com risquinhas mais ou menos ignífugo, se quando formos apanhados pelo “bicho” vai consumir-se e arder na mesma?
O que importa é não ser apanhado por ele!
No tempo do célebre fato-macaco, quantas mortes existiram, eram mais violentos os incêndios que agora ou menos, existia mais ou menos segurança no combate, questões, e muitas mais questões poderemos idealizar e suscitar outras tantas dúvidas num curto espaço de tempo.
Aquilo que me é sempre presente; situação, reação.
Se não conheço o local, fazer uma boa observação, delinear uma estratégia e saber qual o caminho de fuga, alimentação da minha equipa ou equipas que trabalhassem lado a lado, promover sempre o possível descanso, principalmente do motorista.

Uma das primeiras ocorrências de António Francisco como Sapador Bombeiro na Suiça
 

DB - Em quanto tempo, se for esse o caso, espera regressar a Portugal e voltar assim a defender a causa que durante tantos anos defendeu?

AF - Neste momento não tenho uma ideia definida de regresso, mas quem sabe um dia, em que outros tempos virão.

DB - Tem ideia de quantos Bombeiros e Bombeiras perdeu a sua Corporação nos últimos anos devido à emigração?

AF - Alguns, entre eles, eu. (risos)

DB – E a nível Nacional?

AF - A nível Nacional, muitos. Agora depende, se contabilizar-mos aqueles que emigraram e não fazem serviço; tem um número.

Se forem os que emigraram, mas no período de férias fazem um ou dois serviços, completam equipas de combate a incêndios no Verão, mas o resto do Ano se encontram fora do País, fará outro numero contabilizável. Estes bombeiros fazem bem em sacrificar algum tempo de suas férias ao serviço dos outros sendo uma atitude louvável, mas se pensarmos em tempos contabilizáveis; quando inicia o ciclo RNBP, quando termina. Estará correto perante os companheiros que todo a ano efetuam serviço verem contabilizado o mesmo tempo em anos de serviço que aqueles que não estando presentes?

Por exemplo, eu, sendo emigrante 14 anos, efetuando serviço um Mês ou dois por ano, estando o resto fora, terei 14 Anos de Bombeiro, ou apenas 14 meses?

Nos dias festivos, as condecorações de 15 Anos, de serviço efetivo? Ou será alternado! Porque não conheço condecorações de mensalidades. Claramente que isto é o que menos importa, mas na altura da verdade, faz a sua diferença.

DB – Pois, são algumas questões pertinentes que nos coloca e que poderemos tentar obter resposta. Sabemos que, segundo os últimos dados, são cerca de 5000 Bombeiros, e é um numero que tende a crescer de dia para dia, sabemos que existem Corporações de Bombeiros que perderam mais de metade dos seus elementos, mas… a cada dia que passa, em Portugal, a percentagem de emigração aumenta, e muito, e dentro desse “muito” fazem parte muitos Bombeiros.
Que mensagem tem a deixar a todos os seus Camaradas?

AF - Uma mensagem de carinho e apreço pelas suas ações humanitárias desempenhadas dia-a-dia. Continuem sempre amando a causa que nos move e o lema que nos norteia. Cuidem da vossa segurança, e cabe a todos e cada um de nós fazer a diferença.

Forte e grande abraço a todos.


Muito Obrigado por ter respondido a estas perguntas, e pela sua colaboração. De certo que as mensagens de apoio dos nossos leitores irão começar a aparecer, demonstrado assim o Agradecimento pelos anos que em Portugal serviu a causa em prol e bem da Humanidade – Bombeiro.

Foi um prazer enorme tê-lo conhecido e termos tido a oportunidade de partilhar com todos estas pequenas letras.

Um Bem-Hajam

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